O FIIK 2015 foi realizado entre os dias 03 a 06 de setembro no Centro Cultural de Rio Claro – SP. Nessa edição ocupamos o teatro principal montando uma grande tela e sistemas de projeções de imagem e som bem legais, acomodando um público bem maior que nas edições passadas. Foram exibidos 13 curtas na categoria ficção, 09 curtas na categoria documentário e 06 curtas no panorama Kino-Olho (filmes produzidos pelo grupo). Mesclando diferentes estilos, linguagens, estéticas, temáticas, técnicas, visões de mundo, reflexões etc. os filmes selecionados esse ano surpreenderam a todos. Como parte da curadoria que assistiu os mais de 350 filmes, selecionando e montando a programação, me vi transbordando de ideias e reflexões sobre tudo aquilo que estava analisando. Por isso propus a mim e a outra parceira da curadoria, Cláudia do Canto, escrevermos um texto sobre nossos pensamentos e pontos-de-vista que guiaram a direção de nossa seleção. Abaixo compartilho nossos textos na íntegra, pensando principalmente no retorno aos realizadores e realizadoras que submeteram seus filmes ao nosso festival. Achamos importante essa troca, que vai além de transparecer o perfil artístico do festival, mas também suscitando o diálogo com os filmes produzidos, com os espectadores que frequentaram o festival, nossos estudos, processos criativos e amadurecimento do fazer cinema.
O curta-metragem ganhador da categoria ficção foi o “Ensaio sobre a minha mãe” (2014), de Jocimar Dias Jr. do Rio de Janeiro (RJ). E na categoria documentário, o curta-metragem “A Clave dos pregões” (2015), de Pablo Nóbrega do Recife (PE).
Texto de Léo Bortolin:
“A estética do cinema é, pois, o estudo do cinema como arte, o estudo dos filmes como mensagens artísticas”.[1]
“Arte revolucionária deve ser uma mágica capaz de enfeitiçar o homem a tal ponto que ele não mais suporte viver nesta realidade.”[2]
“Resolvi escrever esse texto para organizar um pouco os pensamentos e reflexões sobre o meu trabalho na curadoria, pela segunda vez, do FIIK (Festival internacional de cinema independente Kino-Olho). Além do mais, vejo com certa importância o estabelecimento da linha estética/analítica que segui fazendo esse trabalho. Não tenho a intenção de escrever sobre como fazer um filme, muito menos achar que o que escrevo é pura verdade e deve ser seguido. Estou tentando de alguma forma expor minhas últimas indagações sobre esse fazer cinema e como ele é percebido por nós, espectadores e realizadores. Por isso, me coloco em constante processo de questionamento, amadurecendo dentro do possível o meu próprio ser artista.
Na edição anterior do festival fiquei apenas nas conversas sobre essa experiência, não me atentando para a elaboração de um simples registro do processo, muito por conta da novidade desse tipo de relação e contato com os filmes. Lembro-me que a preocupação maior era ter a consciência que a partir das nossas escolhas estaríamos definindo partes do perfil do festival. Já esse ano percebi-me um pouco mais seguro para o trabalho, até porque a bagagem da pesquisa de mestrado que desenvolvo tem ampliado muito minha relação com o cinema e com outras linguagens artísticas. No fim das contas, ao receber 375 filmes de várias regiões do Brasil e do Mundo, estou em contato com uma parcela do panorama da produção cinematográfica jovem e com isso uma noção especial de como andam as visões de mundo, conflitos, abordagens estéticas e modos da realização de filmes. Ponto interessante da recentíssima safra de curtas-metragens, onde a maioria são de realizadores jovens, é entender que um filme não nasce sem um mínimo de reflexão social, econômica, política e estética. Contudo eles podem e nascem, mas sem a compreensão que existem fenômenos distintos que pensam e articulam o objeto-filme. E por isso acabam se limitando à subordinação de padrões tanto das técnicas quanto na postura frente ao mundo. O filme é o lugar do cinema e de muitos outros elementos que nada tem de propriamente cinematográficos.
É uma relação talvez complicada, onde o emocional tende a virar segundo plano e uma concentração mais fria e distante são necessárias. Dessa maneira você fica mais atento aos modos de se fazer cinema, os usos e desusos de todo um aparato técnico, de linguagem, regras e mil referências. Esses contatos de análises não são separados, chegam a ser em tempo real – por que tal corte com mudança de eixo e desenho de som me faz sentir a veracidade do filme? Ou, decifrar a narrativa para tal sentido? Nos deixamos levar pelo estado emocional em conjunto com todos elementos do áudio-visual que é o cinema, e isso se dá nas duas vias (elementos áudio-visuais que geram emoções). É instantâneo e vira uma série de exercícios críticos com a obra e consigo mesmo. Uma das coisas que mais repito com amigos é “a curadoria me passa uma ideia de considerar o que realmente não se fazer em um filme!” Certas abordagens temáticas (recorrentes) estão no campo da repetição e representação novelística, em todos os aspectos. A impressão gerada é que o estilo da novela televisiva brasileira formou e influencia muitos diretores. Não quero dizer que é ruim, mas está em outro patamar da produção de percepção do mundo. E é disso que o cinema fala o tempo todo, assim como as novelas, porém no cinema com artifícios muito mais instigantes pelo caráter de fazer da representação um fim artístico e expressivo em si mesmo. Assim, muitos filmes acabam sendo serviçais dos espectadores, dando a eles tudo de bandeja, caracterizando personagens dentro de estereótipos convencionais, didáticos em excesso ou monopolizadores de um mundo-umbigo. Não só as temáticas, mas os modos de uso dos elementos cinematográficos. Nesse ponto destaco particularmente o uso da trilha musical, onde percebo falta de sentido dentro da relação som – imagem. Quero dizer, incoerências do pensamento/estilo/composição das músicas com a imagem e narrativa. Tenho conhecimento de usos contrastantes, aliás considero como muito mais instigadores, contudo é perceptível que dentro desse contexto comentado não se tem essa noção, é muito mais instintivo a partir de padrões que estão instituídos por conta de processos de repetição. Não acredito em filmes contemporâneos que usam a trilha musical em mais da metade da banda sonora, sem uma justificação de proposta, apenas seguindo convenções simplistas de uso do som no cinema.
O cinema desse panorama de cinco anos para cá começa a transpor elementos e usar ferramentas de outras linguagens artísticas. E nesse sentido tem-se a chance de construir narrativas com diferentes percepções do espaço-tempo fílmico. Vejo que o potencial do suporte cinema são seus intercâmbios com as referências das artes plásticas e arte sonora. O que é o espaço fílmico? Seria apenas o que o enquadramento da câmera mostra? Não. Temos conhecimento e motivo para afirmar que essa redução do significado fílmico desqualifica o poder do espectador participar ativamente da obra.
Percebo assim que o estilo documentário passa por tal momento de forma mais clara. Esse ano recebemos boa quantidade de documentários que exploram interessantes modos de filmar e construir o real. As artes plásticas estão mais próximas quando pensada a estética do filme – cores, sons, composição (pintura, vídeo-arte, arte-sonora, instalação) – num tom de ato político*. Pois a formação da obra cinematográfica concebida a partir do conhecimento desse leque, possui cargas de transformação.
*(O ato político não se refere a questões de partidos e ideologias, muito menos em qualquer ideia extremista de direção de ideias. Ele se encontra na esfera da postura e sensibilidade do ser-humano frente às situações e responsabilidades da vida dentro da convivência coletiva. Tendo como suporte para isso os distintos elementos da arte e não da burocracia.)
Parece que nos filmes atuais há certa recusa de inspirações transgressoras, as produções estão apostando em certos padrões da linguagem, fazendo muito bem feito o “arroz com feijão” mas sem surpresa para o tempero. Por isso estivemos atentos aos filmes que chamavam a atenção, não para o novo, mas sim para as reinvenções das formas de realizações dos elementos que compõem o filme. Tudo pode virar filme, e como disse o diretor Kléber Mendonça Filho, os filmes acabam sendo sobre filmes e portanto esse trabalho é uma prática tão árdua e complexa (jogo duro!). O mundo carrega inspiração e certos acertos nos filmes tem a ver com a sensibilidade no jeito que vivem e conduzem as coisas. A escolha do retrato é meio caminho andado, mas só ele não traz o movimento preciso para ocorrer o impacto da experimentação e transformação. Apenas ter o aparato e saber filmar não basta, uma câmera na mão e uma ideia na cabeça infelizmente são para gênios. Filme é impacto com todos os sentidos da vida e chegar ao êxito necessita de estudos e amadurecimento. É arriscar o impensável e a abertura radical ao novo.
Os filmes selecionados têm em alguns aspectos elementos que vão de encontro à direção do pensamento da curadoria e também às pesquisas, estéticas e modos de produção semelhantes ao do grupo Kino-Olho. E ainda se inserem no contexto de experiência e investida para outros campos cinematográficos. E o mais interessante é que esses campos não são bem definidos e nem tão claros, mas estão aí para surpreender. Nesse sentido estamos sintonizados no cinema que experimenta o mundo a partir da diferença e não da repetição de padrões previamente estabelecidos. Pensamos e refletimos conscientemente as técnicas que o filme nos propõe, numa direção autoral das percepções da relação áudio-visual construídas.
E no fim das contas, o brega é tudo isso – sacanagem!
Agradecemos imensamente o envio e participação, infelizmente tivemos que deixar de fora bons filmes, o que nos deixam realmente chateados.
Parabéns a todos os filmes realizados e com muito mais entusiasmo aos selecionados, é um prazer exibi-los em nosso festival.”
Léo Bortolin – curador e programador FIIK 2015.
25/08/2015.
[1] A estética do filme, Jacques Aumont.
[2] Eztetyka do Sonho, Glauber Rocha.
Texto de Cláudia do Canto:
“Não pretendo realizar uma análise crítica dos filmes selecionados para o Festival de Cinema Independente Kino-Olho, mas sim contar um pouco da minha experiência enquanto espectadora que empresta a visão de curadora do FIIK.
Não sou formada em Cinema, me formei em Jornalismo, mas tenho minha trajetória profissional muito ligada ao Grupo Kino-Olho, o qual faço parte desde o primeiro FIIK, em 2009. Atualmente, faço mestrado e pesquiso o modo de produção do Cinema Caipira, o cinema desenvolvido no interior do estado de SP que visa explorar o cotidiano do caipira.
Desde então, muitos têm sido meus questionamentos sobre arte, cinema e filosofia. Desta forma, avalio a experiência da curadoria do FIIK como uma atividade bastante importante, por me possibilitar entrar em contato direto com o que têm sido produzido nacionalmente, o que tem acrescentado batante para minha concepção artística e como pesquisadora. Porém, esta é uma concepção que nunca se encerra, está sempre em construção.
Alguns dizem que um bom filme é aquele que começa com um bom plano, outros dizem que é aquele que tem um bom roteiro, outros dizem que é aquele que tem uma boa fotografia. A verdade é que todas estas qualidades somadas podem não resultar em um bom filme.
Lembrando o diretor de cinema do Kino-Olho, Jp Miranda Maria, ao ligar uma câmera o cineasta se depara com a imagem pronta da realidade e seu principal desafio é compor este quadro de modo a transmitir um sentimento. Para transpor a barreira do que está pronto ali no visor de sua câmera, ele precisa saber que existe um conjunto de imagens que se conectam com aquela, através de fios de experiências no espaço e no tempo. Por isso, um diretor precisa pensar muito antes de apertar o Rec de uma câmera.
Bom, quando iniciei a curadoria, havia me programado para assistir a 20 filmes por dia, no entanto, esta meta caiu por terra em menos de uma semana. Sim, o ritmo ficou mais lento, pois cada filme de sua maneira particular, me incitava um sentimento diferente. Passar pela experiência em cada história, pela loucura de alguns personagens e descobrir a cada cena que você é também humano, além de avaliador, isso tudo era gostoso e ao mesmo tempo desgastante, me mudava de lugares dentro de minha na casa tentando encontrar algum conforto nestas histórias, mas no final da noite estava zonza e com dores de cabeça. Por quê alguém deveria gostar de passar por algo assim?
O fato é que os filmes que selecionamos para a programação do FIIK não pretendem trazer um conforto para o público, como os conteúdos que encontramos ao ligar nossa televisão em casa. Mas sim, indagar e questionar o ser humano em suas certezas, desestabilizar aquilo que temos como pronto.
Quando me encontrei com Léo Bortolin, membro da curadoria e também companheiro de equipe das produções do Kino-Olho, começamos a citar os títulos dos filmes que mais gostamos e notamos muitas semelhanças na seleção, isso provavelmente por sermos do mesmo coletivo e termos uma proximidade na busca de certos conceitos estéticos.
No entanto, sempre voltávamos em filmes que mexiam de modo particular com cada um. Lembro por vezes de o Léo dizer: “Cláudia, e este aqui? Eu estou vendo algo ali que ainda não sei explicar, mas gera algo diferente” e por vezes eu respondia “Bom Léo, se você está vendo…” e vice e versa. Respeitamos e soubemos ouvir um ao outro, até chegarmos a um consenso após revermos várias e várias vezes os que tínhamos dúvida se entravam ou não na programação.
Por fim, decidimos optar por aqueles que iam de encontro com as propostas estéticas do coletivo Kino-Olho, mas estando sempre abertos para cada nova experiência que se propunha ali dentro da tela a explorar novos caminhos na linguagem audiovisual.
Creio que o cinema, embora seja a arte da imagem e do som, ele está lá para mostrar um sentido que está sendo suscitado pela imagem e pelo som, mas não está neles, pronto, acabado, está também em seu espectador. Se um diretor pretende que seu espectador veja aquilo que ele vê, ele não estará promovendo encontros, ele estará matando o cinema! Por isso é tão importante que esta arte seja compartilhada.
Assim, os filmes que compõem esta lista do FIIK, convidam os espectadores a moverem seus corpos e a pensarem a experiência do cinema como elemento indissociável à vida. Onde a experiência estética encontra a experiência do sensível.”
27/08/2015 – Cláudia do Canto – curadora e programadora FIIK 2015
Maiores informações podem contactar por email: leonabatera@gmail.com ou: facebook.com/leonardo.bortolinbruno
E também: kinoolho